De Violências contra a Mulher e do "Ideal de Estupro"
Criminologia

De Violências contra a Mulher e do "Ideal de Estupro"



Fiquei chocado com o vídeo postado no blog do Alexandre Rosa e que reproduzo no Antiblog.
Nas imagens gravadas pela Polícia Civil de São Paulo se cruzam duas formas brutais de violência: a violência de gênero, representada pela postura sexista e misógina dos policiais contra a 'suspeita', e a violência inquisitória do sistema penal, representada pela ruptura com os postulados ou garantias mais elementares de uma sociedade democrática.
Conforme indica o Alexandre Rosa, os fatos são de 2009, porém a notícia explodiu esta semana em decorrência do arquivamento do Inquérito Policial contra os agressores.
Mas, para além das questões jurídicas - que para mim são (em menor escala) importantes e que serão tratadas em outros posts -, gostaria de compartilhar algumas angústias relativas às violências de gênero expostas pela reportagem.
Não tenho dúvida que o abuso cometido pelos policiais foi intensificado pelo fato de a 'suspeita' ser mulher. Dificilmente o desnudamento do corpo ocorreria se o investigado fosse homem. Este procedimento de obrigar a mulher retirar suas vestes em um ambiente repleto de homens é próprio de uma racionalidade misógina que se opera a partir daquilo que poderia ser denominado como o "ideal ou vontade de estupro". O termo me ocorreu no momento da redação do post, mas creio ser uma hipótese possível de ser sustentada a partir das máximas de experiência que os estudos de gênero e a teoria feminista vêm desenvolvendo desde a década de 70.
A cena lembra e reproduz uma violação sexual: o jogo de cena dos homens-policiais-estupradores; o descaso da autoridade hierárquica masculina que poderia cessar a violência; a omissão das outras mulheres, ofuscadas na sua condição de gênero pela masculinização sexista imposta pela farda (maior símbolo do poder inquisitório); os gritos desesperados da vítima.
O "ideal de estupro" simboliza e sintetiza todas as formas de misoginia. O ódio sexista pelo feminino - inclusive aquele expresso na violência homofóbica -, se materializa em sua forma idealizada e mais primitiva que é a agressão sexual. Trata-se, portanto, do tipo-ideal da violência de gênero. Todas as demais agressões às mulheres são espelhadas, em menor escala, no estupro, exatamente pela sua condição suprema de submissão do corpo da mulher e da destruição da possibilidade da verdade feminina.
Com Nietzsche é possível afirmar, ao mesmo tempo, que estamos perante uma "vontade de estupro", exatamente porque as manifestações (reais ou simbólicas) de violência sexual operam na anulação do feminino através da imposição da verdade masculina misógina.
Sigo em outro momento tratando das questões relativas às liberdades públicas.



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