Prezada Mestre C.
Criminologia

Prezada Mestre C.


Penso que eu não seja a melhor pessoa para orientar ou dar um parecer sobre o teu projeto. Ando demasiado cético com a Academia e do que tenho presenciado ultimamente tem sido difícil diferenciar projetos de monografia, de dissertação ou de tese. Infelizmente já tive que assistir aprovação de projetos de tese de doutorado sem hipótese, projetos baseados em mero relatório, projetos que se perdem nas construções metafísicas da dogmática. Muitos, inclusive, autonominados críticos.
Trabalho, ultimamente, com criminologia e penologia - seja lá o que for isto. Mas sempre tentando fugir da limitação que são os olhares dogmático do direito e ortodoxo da criminologia, cada vez mais pobres, cada vez mais distantes da realidade da vida, cada vez mais interessados nas fundamentações do sistema do que nas pessoas que são vitimizadas pelas agências de sequestro.
Se desejas sinceridade, só tenho a dizer que um trabalho que propõe exclusivamente revisão bibliográfica é, desde o meu ponto de vista, insuficiente, teórica e metodologicamente. E em muitos percebo, inclusive, uma insuficiência ética. Perguntaria: "onde está a vida?"; "onde estão as pessoas que morrem diariamente nas entranhas do sistema penal?"; "onde está o comprometimento ético com estes grupos criminalizados?". Sem dúvida não estão no embate retributivista de Kant e Hegel, no defensivismo periculosista de Liszt, no falso humanitarismo de Ancel ou nas confusas contruções híbridas de Roxin ou de Ferrajoli e os seus numerosos seguidores na Iberoamérica. Todos, absolutamente todos - mesmo aqueles que postulam a constrição do punitivismo -, fornecem cotidianamente armas (de justificação) à máquina punitiva genocida do sistema penal.
O cenário acadêmico, na graduação e na pós-graduação, é aterrorizante: descrição, relatórios e narrativas historiográficas. Capítulo primeiro: histórico - normalmente uma apresentação falha e mal acabada de fragmentos de dados; Capítulo segundo: fundamentação teórica - invariavelmente a reprodução, em relatório, da "teoria de base" que informa o trabalho; Capítulo terceiro: problema de pesquisa - o confronto das teorias atuais com a hipótese que se quer validar. Lógico, no doutorado estes três capítulos viram cinco, mas sempre dentro da mesma estrutura. Depois: defesa, aprovação, titulação, publicação. Eis o itinerário de uma grande ilusão: o acadêmico agora está pronto para lecionar e orientar seus alunos a realizar o mesmo percurso.
E o trabalho defendido ficará guardado na memória do autor como a pesquisa que encontrou, nas entranhas teóricas da história do direito penal ou da criminologia, um fundamento inovador para aquele problema que ninguém nunca havia pensado.
C., desculpe-me a fra(n)queza deste longo e-mail.
Escrevo para mim, como catarse, como desabafo frente ao triste quadro que venho presenciando.
Se efetivamente queres uma "orientação", fique com duas. Realize uma pesquisa em que a interação humana seja a questão central, em que seja inegociável a necessidade de olhar e interagir com as pessoas.
A segunda, que creio seja a mais sensata, esqueça o que escrevi, lapide um pouco mais o projeto que me enviaste - que está bem redigido - e apresente no Programa de Pós-graduação escolhido. Tens boas chances de a pesquisa ser aprovada. Creio, inclusive, que alguns professores ficarão entusiasmados com a idéia.
Saudações acadêmicas
SC



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