Dolo Eventual, Frank e suas Fórmulas
Criminologia

Dolo Eventual, Frank e suas Fórmulas


Inexiste tema mais 'debatido', no plano da Teoria do Delito, que a diferença entre dolo eventual e culpa consciente. Sobretudo quando ocorrem acidentes de trânsito com repercussão - como ocorreu em Porto Alegre, envolvendo o pessoal da Massa Crítica.
No caso específico, porém, o debate está colocado entre dolo de lesão ou de homicídio, o primeiro consumado e o segundo tentado.
Após o evento escrevi um post sobre a inutilidade normativa e dogmática da categoria dolo eventual, exceto, logicamente, a criação de uma regra extremamente aberta que cria uma força de atração ao punitivismo. Mas o post ficou demasiado longo e não publiquei.
Nos últimos comentários, o Antônio e o Anônimo retomaram o tema e mencionaram, como instrumento interpretativo, a fórmula de Frank.
Frank, dogmata alemão ícone da Teoria do Delito - a propósito, conheço poucos penalistas alemães que abordam tema distinto da Teoria do Delito, a não ser quando sirva para justificá-la -, cria mecanismo teórico que resolveria o problema da definição entre dolo eventual e culpa consciente. E a importância nos critérios de diferenciação reside no fato de que ambos os processos de representação mental apresentam os mesmos elementos: (a) o sujeito pretende obter um resultado (lícito ou ilícito); (b) não deseja o resultado ilícito visualizado (representado) como hipótese real; (c) age; e (d) obtém o resultado representado não desejado. Na culpa consciente como no dolo eventual estes elementos são comuns. A diferença é que na culpa consciente o sujeito acredita 'sinceramente' na capacidade de evitar o resultado; no dolo eventual o autor da ação anui com a possibilidade de que ocorra o resultado ilícito, nunca pretendido mas projetado mentalmente ('assumir o risco').
Como a diferença está radicalmente posta nos elementos subjetivos (vontade, representação e anuência), as dificuldades aparecem.
Frank, como todo dogmata, tentou criar uma fórmula para resolver o problema. Segundo ele, o julgador deveria colocar-se ex ante factum na posição do 'infrator' e indagar: se o resultado ilícito representado mas não desejado fosse de certa ocorrência o sujeito interromperia a ação? Se o resultado fosse de certa ocorrência e o sujeito interrompesse a ação estaríamos no campo da culpa consciente; se o sujeito, mesmo com a certeza do ilícito, seguisse na conduta, haveria imputação de dolo eventual.
Ocorre que a fórmula não auxilia em nada. Trata-se, como toda a dogmática da teoria do delito, de uma fórmula normativa idealizada. As respostas seguem com base em presunções irrefutáveis.
Não apenas porque inexiste a possibilidade de o julgador deslocar-se no tempo e invadir a psique do 'infrator' para determinar o seu desejo, mas, sobretudo, porque este raciocínio só empodera quem está no papel de decidir. Fundamentalmente porque trabalhando com fórmulas metafísicas inexiste possibilidade de refutar a tese que o julgador estabelece como verdadeira.
Frente a esta inegável dificuldade, a jurisprudência - que necessita resolver os problemas da vida e não os casos teóricos da teoria do delito - criou as suas próprias fórmulas: a partir de elementos concretos e objetivos comprovar os elementos subjetivos.
Assim, p. ex., alta velocidade aliada com ebriez: dolo eventual. Apenas um dos elementos, culpa consciente.
Compreendo o esforço dos Tribunais, mas se a teoria do delito cria equívocos de ordem normativa (falácia metafísica), a jurisprudência incorre em uma falácia empiricista, pois não é crível que de dados objetivos se projetem elementos subjetivos. São planos distintos, conforme resumido em outra fórmula, de ordem filosófica, denominada Lei de Hume, na qual são incabíveis as apresentações de dados empíricos para desconstruir teses normativas e vice-versa.
A solução do problema, desde o meu ponto de vista, inexiste. Os Tribunais seguirão objetificando elementos subjetivos, isto porque a Legislação incorpora os delírios metafísicos da teoria do delito.
Mas se não há solução, há possibilidade de redução dos amplos espaços de discricionariedade criados pelas fórmulas abertas do Direito Penal: trabalhar cada vez mais com conceitos mais claros possíveis, ou melhor, com conceitos menos obscuros possíveis. No campo da tipicidade subjetiva, uma das saídas seria centralizar os juízos de imputação em apenas duas categorias centrais: intencionalidade e acidentalidade (dolo e negligência).
Inclusive porque em termos de resultado punitivo (pena) não há diferença entre condenação por dolo direto ou eventual ou culpa consciente ou inconsciente - mas ese era o tema do post que não publiquei.
Tema complexo, post longo - exatamente como não gosto de escrever. Mas ocorre...
E desculpem o sexismo da imagem, mas não pude resistir.



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