Criminologia
De Imprensa, Medos e Sensacionalismos
Venho acompanhando com cuidado a imprensa gaúcha, sobretudo o principal Jornal do Rio Grande do Sul, Zero Hora.
Aliás, uma das dissertações que estou orientando no PPGCCrim da PUC é exatamente o retrato que a imprensa gaúcha tem produzido sobre a questão prisional (qual o olhar? o que transmite? como aborda? o que omite?).
Em matéria de trânsito, não é esporádico - pelo contrário, é inapropriadamente comum - a utilização pelo Jornal de expressões como "massacre" e "carnificina".
Na matéria de capa de ontem, dia 11 de fevereiro, véspera do feriado de Carnaval, a manchete era: "Operação tenta evitar massacre no trânsito".
O segundo parágrafo da reportagem destacava: "Vinte pessoas podem morrer no trânsito gaúcho entre amanhã e quarta-feira ? a julgar pela média dos últimos carnavais. Foram pelo menos 205 mortos nas ruas e rodovias do Rio Grande do Sul em uma década, de 2000 a 2009, durante os dias que deveriam ser de alegria, conforme levantamento de Zero Hora que leva em conta o período das 12h da sexta-feira às 12h da Quarta-Feira de Cinzas. Isso significa que cada dia de feriadão custou quatro vidas nas estradas do Estado ao longo dos anos 2000. Para tentar reverter essa tendência, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Comando Rodoviário da Brigada Militar prometem força total no feriadão: um exército de 1.388 homens para evitar a carnificina." (grifei)
A pergunta que proponho é a seguinte: o número de 205 mortos no trânsito, em dez anos, durante os feriados de Carnaval, efetiva um "massacre", constitui uma "carnificina"?
Um dos principais exemplos da sociedade de risco, a partir de Beck e dos demais sociólogos que compartilham deste conceito, é a questão do tráfego. E inexoravelmente a condução de veículos é uma das situações de risco mais claras da pós-modernidade.
Para os amantes da teoria do delito, Welzel elabora o princípio da confiança para explicar os crimes culposos tralhando exatamente com a questão do tráfego urbano. Diz, inclusive, que por mais surpreendente que isto possa parecer, ninguém sai de casa dirigindo seu automóvel sem estar orientado pelo princípio de confiança de que todos os demais irão respeitar as regras de trânito e ser zelosos na condução dos veículos.
Mas voltando a reportagem, proponho a seguinte equação: números de pessoas que se deslocam de suas cidades no feriado de Carnaval, número de automóveis que conduzem estas pessoas, velocidade média empregada nas rodovias, sinalização e manutenção das rodovias, negligências comuns ao volante (de ultrapassagens forçadas ao consumo de álcool e demais drogas) = número de vítimas no trânsito.
É possível extrair do número apresentado pelo Jornal verdadeiro "massacre" ou "carnificina"? Penso que não.
Logicamente não se está a dizer que o número de mortos é pequeno ou tolerável. A morte de uma pessoa é fato a ser lamentado.
Mas pelas condições acima apresentadas, provavelmente tenhamos "mais sorte do que juízo" ao enfrentarmos esta situação de risco.
Para finalizar, fica a questão da forma de abordagem cada vez mais sensacionalista da imprensa.
Lembro, quando leio este tipo de reportagem - que é muito similar às demais que sustentam o populismo punitivo - do livro de Barry Glassner intitulado "A Cultura do Medo" - inclusive há um capítulo dedicado ao trânsito nas grandes metrópoles, apesar de não ser o tema central. O subtítulo é sugestivo: "Why Americans Are Afraid of the Wrong Things".
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