Criminologia
O verso e o anverso na USP, por Jorge Luiz Souto Maior
O verso e o anverso
na USP
Jorge Luiz Souto Maior
Estão dizendo por aí que
os alunos que ocupam a Reitoria da USP perderam a razão quando não aceitaram a
deliberação da Assembléia. Querem dizer, então, por preceito lógico, que concordariam
com a ocupação se a Assembléia a tivesse aprovado? Ora, se não concordariam nem
assim, então, a deliberação da Assembléia é irrelevante e o ataque feito à ação
dos estudantes e servidores por esse viés é totalmente despropositado.
As lutas sociais,
ademais, não dependem de uma legitimação fixada em lei, do contrário não seriam
lutas e, de fato, não teriam condições materiais de existir. Quaisquer pessoas
podem se organizar, formar suas associações de direito ou de fato, para a
defesa de seus interesses. Os movimentos sociais, normalmente, não possuem
constituição jurídica formal. Assim, os estudantes mobilizados, que criaram uma
forma de organização própria, não têm obstáculo jurídico para a defesa dos
ideais que consideram importante defender.
Pode-se discutir, a bem
da verdade, a legitimidade que possuem para responder por todos os alunos da
USP, mas ao que se sabe os alunos ali mobilizados nunca reivindicaram esse título,
ainda que a sociedade crie sobre eles uma generalização.
Quanto ao meio de luta
eleito, a ocupação, há uma gama enorme de questões que o envolve. Fiquemos, no
entanto, com o verso do senso comum de que se trata de uma ilegalidade porque
representa tomar posse de um patrimônio público. Mas, cumpre, inversamente, reparar:
o ato em questão não se trata de tomar posse para si e sim, em caráter
provisório e precário, para o propósito de instituir um diálogo político, o
qual visa à reconstrução da ordem estabelecida.
Ainda assim fiquemos com
a noção de ilegalidade. Diante da situação posta o que resta à Reitoria? Restituir
a legalidade? Diz a Administração da Universidade que está obrigada a resgatar a
ordem e, desse modo, para devida defesa do patrimônio público, ingressou com
ação de reintegração de posse. E obteve a liminar. Mas, novamente, faz-se
importante ponderar. Qual o valor que a Reitoria está buscando preservar? Está
preservando o patrimônio, ou seja, os bens materiais. Com isso, mais uma vez,
está se furtando ao diálogo pelo uso da força, ainda que ancorada por decisão
judicial e pretende utilizar essa força para repelir aqueles que chama de
?invasores?, só que os tais ?invasores? não são números, são pessoas, e mais,
são alunos e servidores, que estão ali, mesmo que em ato de pretensa ilegalidade,
para o exercício de uma ação política contra atos que acusam terem sido ilegalmente
cometidos pela Direção da Universidade, sobretudo no que se refere à abertura,
por represália, de inúmeros inquéritos administrativos contra alunos e
servidores, trazendo consigo, também, a reivindicação do que chamam ?Fora PM!?
Na onda ?moral e cívica?
que histericamente se formou, essas pessoas estão sofrendo um verdadeiro
massacre público, sendo agredidas por todos os lados. Mas, são só pessoas
querendo expressar o seu sentimento e elegendo um meio de luta para tanto. São
jovens que podiam não se importar com que se passa com os servidores ameaçados
de dispensa por justa causa. Podiam não se importar com o futuro da
Universidade, pois estão de passagem pelo Campus e com o Diploma universitário
podem estar prestes a se inserir, exitosamente, no mercado de trabalho. Podiam,
simplesmente, estar em por aí sem muitos propósitos na vida. Mas, não. Estão lá,
lutando, exercendo cidadania, aprendendo a se organizar, produzindo saberes,
adquirindo experiência de vida, aprofundando idéias e debates... Só isso já
seria motivo relevante para que as admirássemos, mesmo sem concordar com suas
bandeiras ou métodos, apontando-os como açodados, inoportunos, radicais etc.
Mas, não se há de esquecer que foram atitudes tomadas mediante forte emoção,
ditada por um sentimento de injustiça e no calor de efervescência política em
um ambiente universitário. O fato é que somente a partir de pessoas
questionadoras, conscientizadas, inteligentes e lutadoras, como as que ora se
mobilizam, o Brasil poderá, enfim, solver os seus eternos problemas.
Mas, o que a
Administração da Universidade planeja fazer com essas pessoas? Submetê-las à
força policial, assumindo todos os riscos daí conseqüentes, pois para a opinião
pública, que fora forjada sobre o tema, vale mais a defesa do patrimônio que a
preservação da integridade física ou mesmo da vida desses meninos contestadores
de 17 anos ou um pouco mais e alguns servidores com vários anos de relevantes serviços
prestados à Universidade.
Por que escrevo este
texto? Porque me importo com a vida dessas pessoas. Porque me preocupa o cerco
da força do poder contra uma mobilização reivindicatória. Porque não consigo
dormir sossegado sabendo que a intransigência da Administração em estabelecer
com estudantes e servidores um diálogo, ainda que difícil, longo e complexo, do
qual, ademais, poderiam ? e deveriam ? participar as diversas inteligências da
Universidade, que até agora, pesarosamente, ecoam um silêncio retumbante, pode
produzir um verdadeiro massacre.
Não estou defendendo
(nem condenando, por certo) a ação dos estudantes e servidores. Estou, meramente,
rogando a todos, à sociedade, à mídia, à Administração da Universidade, ao
Comando da Polícia Militar, e, sobretudo, à juíza que deferiu a liminar, para que
repensem sua postura neste evento e permitam, enfim, o avanço do necessário
diálogo a respeito das intrigadas questões que afligem, concretamente, a nossa
Universidade.
Caso estes interlocutores
não estejam dispostos a me escutar, volto-me, então, aos estudantes, aos quais
chamo de alunos, se é que me concedem essa legitimidade, para pedir-lhes,
então, que reflitam sobre as diversas outras possibilidades de manterem a
mobilização, desocupando a Reitoria, até porque o anverso da escrita desse
aparente verso triste pode ser a retomada do império da legalidade na
Universidade em todos os níveis. Afinal, é possível difundir a todos os demais
espaços essas e tantas outras reivindicações, não se restringindo apenas ao
prédio velho e desconfortável da Reitoria!
São Paulo, 5 de novembro
de 2011.
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