Criminologia
Relatório da Comissão de Integridade de Pesquisa do CNPq
Relatório da Comissão de Integridade de Pesquisa
do CNPq
A comissão instituída pela portaria PO-085/2011 de 5 de maio de 2011,
constituída pelos pesquisadores Alaor Silvério Chaves, Gilberto Cardoso Alves
Velho, Jaílson Bittencourt de Andrade, Walter Colli e coordenada pelo Dr. Paulo
Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do
CNPq, vem apresentar seu relatório final
Introdução
A necessidade de boas condutas na pesquisa
científica e tecnológica tem sido motivo de preocupação crescente da comunidade
internacional e no Brasil não é diferente. A má conduta não é fenômeno recente,
haja vista os vários exemplos que a história nos dá de fraudes e falsificação
de resultados. As publicações pressupõem a veracidade e idoneidade daquilo que
os autores registram em seus artigos, uma vez que não há verificação a
priori dessa veracidade. A Ciência tem mecanismos de correção, porque tudo
o que é publicado é sujeito à verificação por outros, independentemente da
autoridade de quem publicou.
Como ilustração, podemos citar alguns exemplos emblemáticos, como o chamado
?Homem de Piltdown? - uma montagem de ossos humanos e de orangotango
convenientemente manipulados, que alegadamente seria o ?elo perdido? na
evolução da humanidade. Embora adequada para as ideias então vigentes, a farsa
foi desmascarada quando foi conferida com novos métodos de datação com carbono
radioativo. Outros exemplos podem ainda ser citados, como o da criação de uma
falsa linhagem de células-tronco embrionárias humanas que deu origem a duas
importantes publicações na revista Science em 2004 e 2005. Por esse feito, o
autor principal foi considerado o mais importante pesquisador de 2004. O que
seria um feito extraordinário mostrou ser uma fraude e resultou na demissão
desse pesquisador e na exclusão desses artigos da revista.
Essa autocorreção, no entanto, não é suficiente para impedir os efeitos danosos
advindos da fraude, seja por atrasar o avanço do conhecimento ou mesmo por
consequências econômicas e sociais resultantes do falso conhecimento. Um caso
exemplar das consequências danosas que podem ser causadas por fraudes
científicas foi a rejeição dos princípios da genética, por meio da manipulação
de dados e informações com objetivos ideológicos e políticos, feita pelo então
presidente da Academia Soviética de Ciências, Trofim Lysenko. Essa
falsificação, mesmo sendo posteriormente contestada cientificamente, trouxe
grande atraso na produção agrícola da então União Soviética, o que contribuiu
sobremaneira para a deterioração econômica e sustentabilidade do regime
soviético.
Esses casos mostram que resultados falsos ou errados podem atrasar
acentuadamente o avanço do conhecimento, sem contar com o custo, financeiro e
humano, envolvido na correção dos desvios. Mais difíceis de serem corrigidos
são os problemas advindos de plágios, onde o verdadeiro autor, seja de
descobertas ou de textos, pode ter seu mérito subtraído com possíveis prejuízos
profissionais.
A falsificação de dados pode ser caracterizada quando as manipulações
introduzidas alteram o significado dos resultados obtidos. Por exemplo,
introduzir ou apagar imagens em figuras podem alterar a interpretação dos
resultados. Algumas situações são consideradas legítimas, como, por exemplo, o
emprego de software de aumento de contraste usado por astrônomos pode revelar
objetos celestes dificilmente identificáveis de outra maneira. Alterações de
contraste ou brilho para melhorar a qualidade global de uma imagem são
consideradas legítimas se aplicadas a toda a imagem e descritas na publicação.
Nesses casos a imagem original deve ser mantida, e publicada como informação
suplementar quando possível.
Além das referidas consequências danosas da falsificação e do plágio, essas
práticas podem favorecer indevidamente seus autores para conseguirem vantagens
em suas carreiras e na obtenção de auxílios financeiros. Em relação a isso,
surge também como significativa a prática crescente de autoplágio. Em um
ambiente de competição para a obtenção de auxílios financeiros, isso pode
significar o investimento em pessoas e projetos imerecidos, em detrimento
daqueles que efetivamente são capazes de produzir avanços do conhecimento. A
existência de software capaz de identificar trechos já publicados de
manuscritos submetidos tem facilitado a prevenção de plágio e de autoplágio.
Por todas essas razões as más condutas na pesquisa são assunto de interesse das
agências de financiamento, que devem zelar pela boa aplicação de seus recursos
em pessoas que sejam capazes de produzir avanços efetivos (isto é, confiáveis)
do conhecimento. Isso significa instituir mecanismos que permitam identificar e
desestimular as práticas fraudulentas na pesquisa, e estimular a integridade na
produção e publicação dos resultados de pesquisa.
Para lidar com esses problemas, a comissão recomenda que o CNPq tenha duas
linhas de ação: 1) ações preventivas e pedagógicas e 2) ações de desestímulo a
más condutas, inclusive de natureza punitiva.
Com relação às ações preventivas, é importante atuar pedagogicamente para
orientar, principalmente os jovens, nas boas práticas. É também importante definir
as práticas que não são consideradas aceitáveis pelo ponto de vista do CNPq.
Como parte das ações preventivas, o CNPq deve estimular que disciplinas com
conteúdo ético e de integridade de pesquisa sejam oferecidas nos cursos de
pós-graduação e de graduação. Também a produção de material com esses conteúdos
em língua portuguesa deve ser estimulada e disponibilizada nas páginas do CNPq.
Como ponto de partida, algumas diretrizes orientadoras das boas práticas nas
publicações científicas, inclusive nos seus aspectos metodológicos, devem ser
imediatamente publicadas, podendo ser aperfeiçoadas com contribuições
subsequentes. Há que se salientar nessa direção a importância dos orientadores
acadêmicos.
Com relação às atitudes corretivas e punitivas, recomenda-se a instituição de
uma comissão permanente pelo Conselho Deliberativo do CNPq, constituída de
membros de alta respeitabilidade e originados de diferentes áreas do
conhecimento. Deverá caber a esta comissão examinar situações em que surjam
dúvidas fundamentadas quanto à integridade da pesquisa realizada ou publicada
por pesquisadores do CNPq - detentores de bolsa de produtividade ou auxilio a
pesquisa. Com relação a denúncias, é de se cuidar para não estimular denúncias
falsas ou infundadas. Caberá a essa comissão examinar os fatos apresentados e
decidir preliminarmente se há fundamentação que justifique uma investigação
específica, a ser realizada por especialistas da área nomeados ad hoc .
Caberá também a essa comissão, a partir dos pareceres dos especialistas, propor
à Diretoria Executiva do CNPq os desdobramentos adequados. Será também
incumbência dessa comissão avaliar a qualidade do material disponível sobre
ética e integridade de pesquisa, a ser publicado nas páginas do CNPq.
Definições
Podem-se identificar as seguintes modalidades de
fraude ou má conduta em publicações:
Fabricação ou invenção de dados - consiste na apresentação de dados ou
resultados inverídicos.
Falsificação: consiste na manipulação fraudulenta de resultados obtidos de
forma a alterar-lhes o significado, sua interpretação ou mesmo sua
confiabilidade. Cabe também nessa definição a apresentação de resultados reais
como se tivessem sido obtidos em condições diversas daquelas efetivamente
utilizadas.
Plágio: consiste na apresentação, como se fosse de sua autoria, de resultados
ou conclusões anteriormente obtidos por outro autor, bem como de textos
integrais ou de parte substancial de textos alheios sem os cuidados detalhados
nas Diretrizes. Comete igualmente plágio quem se utiliza de ideias ou dados
obtidos em análises de projetos ou manuscritos não publicados aos quais teve
acesso como consultor, revisor, editor, ou assemelhado.
Autoplágio: consiste na apresentação total ou parcial de textos já publicados
pelo mesmo autor, sem as devidas referências aos trabalhos anteriores.
Diretrizes
1: O autor deve sempre dar crédito a todas as
fontes que fundamentam diretamente seu trabalho.
2: Toda citação
in verbis de outro autor deve ser colocada entre aspas.
3: Quando se resume um texto alheio, o autor deve procurar reproduzir o
significado exato das ideias ou fatos apresentados pelo autor original, que
deve ser citado.
4: Quando em dúvida se um conceito ou fato é de conhecimento comum, não se deve
deixar de fazer as citações adequadas.
5: Quando se submete um manuscrito para publicação contendo informações,
conclusões ou dados que já foram disseminados de forma significativa (p.ex.
apresentado em conferência, divulgado na internet), o autor deve indicar claramente
aos editores e leitores a existência da divulgação prévia da informação.
6: se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um
todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em
manuscritos individuais.
7: Para evitar qualquer caracterização de autoplágio, o uso de textos e
trabalhos anteriores do próprio autor deve ser assinalado, com as devidas
referências e citações.
8: O autor deve assegurar-se da correção de cada citação e que cada citação na
bibliografia corresponda a uma citação no texto do manuscrito. O autor deve dar
crédito também aos autores que primeiro relataram a observação ou ideia que
está sendo apresentada.
9: Quando estiver descrevendo o trabalho de outros, o autor não deve confiar em
resumo secundário desse trabalho, o que pode levar a uma descrição falha do
trabalho citado. Sempre que possível consultar a literatura original.
10: Se um autor tiver necessidade de citar uma fonte secundária (p.ex. uma
revisão) para descrever o conteúdo de uma fonte primária (p. ex. um artigo
empírico de um periódico), ele deve certificar-se da sua correção e sempre
indicar a fonte original da informação que está sendo relatada.
11: A inclusão intencional de referências de relevância questionável com a finalidade
de manipular fatores de impacto ou aumentar a probabilidade de aceitação do
manuscrito é prática eticamente inaceitável.
12: Quando for necessário utilizar informações de outra fonte, o autor deve
escrever de tal modo que fique claro aos leitores quais ideias são suas e quais
são oriundas das fontes consultadas.
13: O autor tem a responsabilidade ética de relatar evidências que contrariem
seu ponto de vista, sempre que existirem. Ademais, as evidências usadas em
apoio a suas posições devem ser metodologicamente sólidas. Quando for
necessário recorrer a estudos que apresentem deficiências metodológicas,
estatísticas ou outras, tais defeitos devem ser claramente apontados aos
leitores.
14: O autor tem a obrigação ética de relatar todos os aspectos do estudo que
possam ser importantes para a reprodutibilidade independente de sua pesquisa.
15: Qualquer alteração dos resultados iniciais obtidos, como a eliminação de
discrepâncias ou o uso de métodos estatísticos alternativos, deve ser
claramente descrita junto com uma justificativa racional para o emprego de tais
procedimentos.
16: A inclusão de autores no manuscrito deve ser discutida antes de começar a
colaboração e deve se fundamentar em orientações já estabelecidas, tais como as
do International Committee of Medical Journal Editors.
17: Somente as pessoas que emprestaram contribuição significativa ao trabalho
merecem autoria em um manuscrito. Por contribuição significativa entende-se
realização de experimentos, participação na elaboração do planejamento
experimental, análise de resultados ou elaboração do corpo do manuscrito.
Empréstimo de equipamentos, obtenção de financiamento ou supervisão geral, por
si só não justificam a inclusão de novos autores, que devem ser objeto de
agradecimento.
18: A colaboração entre docentes e estudantes deve seguir os mesmos critérios.
Os supervisores devem cuidar para que não se incluam na autoria estudantes com
pequena ou nenhuma contribuição nem excluir aqueles que efetivamente
participaram do trabalho. Autoria fantasma em Ciência é eticamente inaceitável.
19: Todos os autores de um trabalho são responsáveis pela veracidade e
idoneidade do trabalho, cabendo ao primeiro autor e ao autor correspondente
responsabilidade integral, e aos demais autores responsabilidade pelas suas
contribuições individuais.
20: Os autores devem ser capazes de descrever, quando solicitados, a sua
contribuição pessoal ao trabalho.
21: Todo trabalho de pesquisa deve ser conduzido dentro de padrões éticos na
sua execução, seja com animais ou com seres humanos.
Referências
Roig, M. (2006) Avoiding plagiarism, self-plagiarism, and other questionable
writing practices: A guide to ethical writing. http://
facpub.stjohns.edu/~ roig m/plagiarism/
Angell, M. and A.S. Relman (1989). Redundant publication.
New England
Journal of Medicine, 320, 1212-14.
Kassirer, J. P. & Angell, M. (1995). Redundant publication: A reminder.
The
New England Journal of Medicine, 333, 449-450. Retrieved, March 7, 2003
from
http://content.nejm.org/cgi/content/full/333/7/449
.
International Committee of Medical Journal Editors.
http://www.icmje.org/ethical_1author.html
European
Science Foundation (2010) Fostering Research Integrity in Europe
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